Subterfugo

July 5, 2007

Aconteceu quando não podia. Fui apaixonar-me, fall in love, essa besteira. Mas a coisa não podia dar-se agora. Estou no fim do semestre, atulhado de afazeres, incumbido de fazer um site para um projeto da faculdade, porque se há um site a ser feito fale com ele ali que estudou Design, isso é com ele, ok?, tenho leituras frondosas pela frente e tenho minhas várias horas de sono diárias para cumprir. Ok, dou lá um jeito. Porém, sobra-me tempo algum para poder cortejar aquela que atualmente enleva meus suspiros. A época do ano é tão complicada que, em vez de propiciar uniões, deve mesmo custear bastantes rompimentos. Digo isto: um homem deveria ser proibido de cair sob o jugo da paixão em fins de semestre. Como poderei perder horas a mostrá-la minhas qualidades e principalmente a falta delas, fazê-la rir de piadas bobas e agir como se não houvesse mais nada além de seus olhos? Estou quase a dizê-la que “viu, tenho um certo blog, você não gostaria de lê-lo?”, o que bem poderia levá-la a conhecer-me em versos, impressionar-se com isto e casar comigo sem que precise convencê-la eu mesmo de que a mereço indubitavelmente.

Mandaram pedir um livro antigo lá em casa, um livro que estava emprestado de uma velha conhecida minha. Por algum acaso da vida, nos desencontramos e fiquei com um objeto seu, algo que, na minha estante, tinha já um lugar bastante especial.

Não faz sentido isso de requisitar velhos bens às pessoas com que por algum motivo nos desentendemos ou viemos a nos afastar. Um livro, uma blusa, um CD, que tenham sido emprestados mudam de dono no exato instante em que os elos se partem por qualquer que seja a razão.

O seu livro (não qualquer um, talvez eu mudasse o discurso diante dos Tolkien) que está com aquela senhora a quem muito amor foi dedicado, muitas carícias foram doadas e muitas palavras doces foram destinadas, torna-se propriedade tão-somente dela quando o amor resolve ir dar em outras bandas. E isso tem sua razão de ser.

Primeiro por que, como diria algum sábio oriental, há coisas que não pertencem a quem as têm. Há muitas coisas que estão nos lugares errados e, por isso, o mundo é tão infeliz. Segundo, as coisas que estavam emprestadas para outrem, estavam emprestadas por algum motivo. Porque talvez as demos na ânsia de compartilhar parte deste mundo com elas; porque você confiava nelas o suficiente para emprestá-las um álbum do Floyd; porque você deixou aquele dia que esteve em sua casa e lá ele ficou.

E é extremamente importante que se mantenha esse tipo de laço, porque por mais dispendiosa que tenha sido a separação, sempre haverá a lembrança dos bons momentos em detrimento dos maus, que vão sendo esquecidos pouco a pouco. Assim, os objetos estarão lá como uma forma de nostalgia saudável cada vez que são avistados. Mais, são eles próprios que se farão capazes de manter algumas das boas lembranças de pé. Se fossem mantidos com seus novos donos, estariam lá sempre a ter um significado em suas vidas.

O livro, por seu tempo, o que estava em minha estante, esse estava lá com tantos outros, cada um com sua própria história além da história. Eu podia então falar aos que me auscultassem: “este aí foi dela”, palavras que sairiam embalsamadas em um certo prazer pessoal. “E este aí ao lado foi do velho Jack”, “aquele outro comprei em cidade de Pedro” etc.

Essa é a constituição mais sensata de uma biblioteca, com livros envolvidos por pequenos casos e pessoas e vidas. Daí o valor dos livros usados, daí o valor de se passar tardes em pequenas lojas empoeiradas a perscrutar novos números. Seja de borboletas ou selos, cada coleção é um pequeno retrato do mundo. Cada livro tem sua própria história, à qual você passa a pertencer no minuto em que o compra. E a pessoa a quem – ou de quem – você emprestou. E a história que vocês tiveram juntas. E o sucedido fim.

Quando os tempos forem outros, e você estiver mudado e todo mundo estiver mudado, aquele velho item poderá ser comentado numa conversa casual que porventura possa acontecer com seu antigo dono e será tratado com indiferença pois já está novamente lúcida a visão de ambos depois de tanto já se ter demonizado o passado.

Solicitar algo que está em propriedade de nova pessoa é demonstrar um certo aspecto tacanho e vil da natureza humana, do qual os mais elevados seres não tomaram nota.

E não reclamem do sentimentalismo. Fico melancólico no inverno.

Balzac

July 3, 2007

Em alguma parte de O Pai Goriot tive a impressão de que este livro poderia ser para mim o que foi A Rebours, de Joris Karl Huysmans, para o jovem Gray, que o leu incitado por Lord Henry Wotton (sim, é este o fatídico livro dos pecados; de nada). Quando, a certa altura, Vautrin se põe intentado a coagir o jovem Eugène, quase me deixo seduzir por seus conselhos, ludibriado pelo furor que minha fortuna e beleza poderiam causar na sociedade. Mas com um esforço sobre-humano posso afirmar, solene, que me mantive firme, amigos, me mantive firme.

(Percebam os senhores que inclui diversos links para o mecenato espontâneo).

Pelas causas pequenas

July 3, 2007

Sou só um estudante bem rico e esbanjador, então nunca tive que ficar cozinhando para mim mesmo. Tenho ninfas próprias para colocarem uvas maduras na minha boca, seguido de um beijinho rápido, desses que pegam metade na boca e metade no rosto, para atiçar um pouco da libido e um pouco do sentimento em cada vez.

Mas nalgumas vezes as ninfas têm que tirar férias, visto que o sindicato das ninfas é muito rígido. E nessas vezes eu preciso me virar com a comida aqui de casa. Se quiser comer, tenho que preparar eu mesmo. O que geralmente acaba me levando a um pacote de Miojo, refeição muito prática e saborosa.

Numa dessas vezes, enquanto eu lia a receita atrás do pacotinho para fazer tudo direitinho, notei uma enorme imperfeição num dos passos. Dizia lá: “deixe ferver por três minutos”. Leitor atencioso que sou, não deixei passar tão absoluta falha; erro grave que pode tornar o produto muito perigoso.

Viu, e se por acaso eu precisar fazer uma viagem a uma velocidade de, supomos, uns 999.999.999 km/s? É, e se eu precisar dar uma viajadinha na velocidade da luz e tal? Daí eu me ferro? Porque para um observador inercial eu posso estar parado no tempo. E aí, como é que fica? E se por um acaso um amigo meu tiver que viajar, sei lá, na velocidade da luz e eu for o seu referencial inercial? Aí eu vou ter que ficar esperando o meu Miojo ferver por toda a eternidade, é isso? Tão me tirando?

Essa receita oferece riscos por não compreender fatores básicos como, por exemplo, o de viajar na velocidade da luz. Se vamos virar ondas quando fizermos isso, é o que menos importa. A questão aqui é que eu, como consumidor, sinto-me lesado por ter que seguir uma receita tão pobre em termos de significado físico-quântico além do estético, porque nem escrita com arte ela é.

Mas basta que fiquemos em casos mais desimportantes como, por exemplo, o de um alpinista (fosse importante para alguém e não andaria por aí a escalar paredões). Imagine que a mãe de um alpinista, muito preocupada com sua alimentação, encha a sua mochila de Miojos, aí, lá está o alpinista a trocentos metros do chão, sem nenhum McDonalds por perto, quando abre sua mochila atrás de um Ruffles e acha apenas vários pacotes de Miojo. A trocentos e tantos metros do chão, sem nem mesmo um Habibs, ele faz sua fogueira e, conformado, vai preparar o macarrão.

Só que, a trocentos e tantos metros do nível do mar, a água ferve a bem menos que 100 graus; vamos supor, a uns 90. O alpinista coloca uma panelinha com dois copos e meio de água para ferver e quando observa a formação de vapor, de pronto e muito astutamente, pensa que ela está a 100 graus, ao que adiciona o macarrão. Mas nós sabemos que ela só está a 90, e, em decorrência, o Miojo vai demorar bem mais que três minutos para ficar pronto. Nós sabemos, mas o alpinista não; por isso, ele segue os passos e ao cabo dos três minutos pontualmente tira o macarrão do fogo, mistura o temperinho e vai esbaldar-se.

E aí? Aí que o alpinista vai comer macarrão cru, e pode até ter uma intoxicação, poxa. Imagine a situação, ficar intoxicado por macarrão cru a trocentos metros do nível do mar. Ninguém poderia ajudá-lo, mesmo que, num inimaginável golpe de sorte, estivesse passando por ali um médico, pois não me consta que algum plano de saúde dê cobertura a “intoxicação a trocentos metros do nível do mar”. Isso não se faz. Vou processar a fábrica do Miojo e não descansarei enquanto não estiver a salvo o último dos alpinistas. Eu quero justiça.

Como descobri, por ocasião de uma entrevista, este é um ano de la niña, efeito sob o qual o ar torna-se seco pela redução drástica do vapor d’água, maior responsável pelo efeito estufa. Diante disso, a amplitude térmica é elevada mesmo no decorrer de um dia. Isso explica por que, por aqui, os dias têm sido assim tão frios e solitários. Para mim, vai tudo bem – tenho mais uma desculpa para ficar na cama.

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Olha só, o Renmero me deixou no comando do seu blog junto a três outros nomes conhecidos da blogosfera (eu acho) enquanto tira umas semanas de férias, o folgado. Pois bem, algumas pessoas não têm noção de onde se enfiam.

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Vocês já leram este texto aqui? Então leiam e vejam que o perigo pode estar ao seu lado. (Desculpem aí o clichê, ok? É que eu sempre quis escrever isso para ver como me sentiria, ok? E, sim, not so good, ok?).

#1

July 2, 2007

Todo pensamento pertence ao passado.